Rezar surte algum efeito?

11/12/2009 at 2:24 pm 3 comentários

Ontem à noite li em alguma esquina dessas da internet a seguinte citação: “Muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor.” (Prov. 19.21). Tive, imediatamente, o impulso de responder mas hesitei. Se alguém é feliz acreditando nisso, que tenho eu com isso, não é mesmo?

Acordei hoje pensando na frase e lembrei, meio que por acaso, do brilhante texto de George Carlin ‘Religion is Bullshit’, onde põe no lugar de deus o ator Joe Pesci, famoso pela interpretação de papeis de caras durões no cinema. Fala, hilariamente, que “Joe Pesci gets things done (…) [and] it’s amazing what you can achieve with a baseball bat”. Carlin termina falando que a mesma proporção de vezes em que suas preces são atendidas por Joe Pesci é a de que suas preces foram atendidas por deus, 50%. No final, trata-se de uma questão de puro acaso. O que acontece é que há justificativa para tudo. Se deus não atende, é porque não era de sua vontade. Se “atende”, é a ‘Graça de Deus’. O fato é que toda a valoração de se uma prece foi atendida ou não e se ela foi atendida por um deus ou pelo curso normal dos eventos,  é uma valoração humana e sujeita à natureza inclinada à fé e ao faz-de-contas dos homens.

Leiamos novamente a citação inicial. Lembro claramente, da época de catecismo, que deus possui um Plano Divino. Acredito que, desta citação de Provérbios, se faça alusão a justamente este plano. Se deus é perfeito e tudo que cria é perfeito, conclui-se que seu plano também deva ser perfeito. ‘Plano Divino’ possui, de fato, toda a pompa de ser algo perfeito.

Continuemos.

A conclusão natural é a seguinte: não adianta rezar. Quem somos nós para querermos interferir no plano divino de deus? E qual é o sentido de um plano divino se ele está susceptível ao egoísmo de cada um dos cristãos?, esse povo que trata sua divindade como Help Desk. Partindo novamente do fato de deus ser uma entidade perfeita e considerar-se, como ponto pacífico, que dessa entidade emanou tudo, inclusive as regras de funcionamento de todas as ciências que o homem até agora estabeleceu, há, também, uma via por onde rezar não faz sentido. Qual é o sentido de uma entidade criar leis naturais perfeitas só para ser obrigada a mudá-las para satisfazer as vontades mesquinhas de um mero ser humano?

Nos dois casos, quebra de leis naturais e ruptura do curso do plano divino, os próprios acontecimentos (a quebra) já seriam sinalizadores de que nem as leis nem o plano são perfeitos. Ora, se são perfeitos, não devem estar sujeitos a mudanças, pois não necessitariam. Por que rezar, então? Rezar não faz sentido algum. Bem, façamos justiça, acredito que haja efeitos sob a mesma pessoa que reza mas, neste caso, devemos notar que a grande parte das pessoas que rezam efetivamente acreditam que uma entidade terceira (deus, no caso) irá fazer suas compras, arranjar-lhe um namorado, um marido, matar alguém de doença, proteger políticos corruptos (…) ad infinitum.

Há, além do mais, um outro questionamento moral. Suponhamos que deus atende a preces por um instante só. Se ele atende, porque não acaba com a fome da África? Veja bem que não estou aqui dizendo que o suposto deus é o responsável por isso. A pergunta é sã e faz sentido. Lembre que crianças que passam fome também rezam. Por que o problema delas não é solucionado? E você aí que acredita no poder da reza. Por que você acha que deus deveria ouvir você em vez de uma criança que passa fome? Você se considera tão melhor e mais necessitado de ajuda do que um ser humano faminto e tratado como lixo? Se você usa a lógica, já percebeu que rezar não faz nenhum sentido. E essas pessoas que rezam deveriam ter vergonha de fazê-lo, sabendo da existência de pessoas com necessidades muito mais urgentes. É uma questão de ética.

P.S.: Não há casos de amputados cujo membro se regenerou. Tenho certeza que há amputados cristãos que rezam e pedem isso em suas preces. Por que será que até hoje nenhum caso de regeneração de membros foi registrado?

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3 Comentários Add your own

  • 1. Gabriel  |  12/12/2009 às 3:49 pm

    Fala xará!
    Tem um livro de Dennet, Quebrando o Encanto: a religião como fenômeno natural, que é muito legal. Explora também explicações sobre o animismo e a relação do mesmo com o mecanismo cognitivo de percepção da postura intencional e a origem das religiões do ponto de vista naturalista. Ele tenta explicar (entre outras coisas) por que algo tão sem sentido quanto rezar para almas e deuses ainda é praticado… só Dennet para tentar uma explicação dessa! 🙂

    Gostei do texto e compartilho com suas preocupações
    Abração

    Responder
  • 2. Leonardo  |  02/09/2010 às 2:24 pm

    Me lembrou disto: http://capinaremos.com/2010/07/31/bencao-para-poucos/.

    Responder

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